terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A origem da Minnie

Era uma tarde de Domingo quando o Luís apareceu com a Roberta em um churrasco da família. Ele, todo bobão, se achando o maioral por estar com ela. Meu irmão sempre foi assim: arruma uma biscate e sai exibindo como um troféu.

O Luís é um cara bonito. É alto, moreno, ganhou na loteria genética e saiu com os olhos azuis, herdados de um ancestral qualquer. Tem um cabelo ondulado lindo, mas raspa aquela porcaria como se servisse no exército. Para balancear, gosta de andar com a barba por fazer e a blusa com uns dois botões abertos, como se fosse um desses homens de bar. Ele usa perfume importado e mantém as unhas cortadas e limpas, pelo menos. 

Eu já sou mais comum. Saí com cabelos e olhos castanhos, magra ao melhor estilo Somália e sou fã de camiseta + calça jeans + all star. Em um dia mais menininha, é comum me ver de sapatilha e alguns acessórios. Uso muito perfume e adoro maquiagem. Mas as unhas quase nunca estão feitas. Preciso de óculos e não chamo atenção que nem o Lu.

Voltando ao assunto. 

Estávamos todos comemorando algum aniversário e fazendo a política da boa vizinhança com a parentada. Música brega, o tio churrasqueiro fazendo piada sem graça, a tia fofoqueira perguntando sobre a vida amorosa de todos, latinha de cerveja, esquecida, esquentando em cima do muro... o de sempre.

Na época, eu tinha o cabelo vermelho, andava com um pentagrama no pescoço e me vestia de preto da cabeça aos pés. Pura rebeldia sem causa. No meu quarto, ainda guardava meus pôneis de brinquedo e toda a turma da Moranguinho. Ah, sim. Eu ouvia Backstreet Boys e Fábio Junior. 

Ok... eu ainda ouço.

Estava no meu canto quando ele chegou, fazendo alarde, gritando "Olha a Roberta aqui!", com a mão em volta da cintura dela. A Roberta era alta, cabelos mega alisados, loira platinada, branca que nem leite, com os olhos verdes e algumas sardas. Usava uma blusa rosa amarrada, uma micro saia jeans e um salto de três metros de altura. Ou pelo menos parecia ser. 

A família toda sorriu, menos eu e meus pais, que já esperávamos que ela fosse a nova namorada temporária dele. O Lu nunca soube, mas sempre fazíamos um bolão - eu, mamãe, papai e um primo mais próximo -  para saber quanto duraria a nova menina.

Gosto de pensar que tenho um tipo de dom. Que eu vejo as pessoas por dentro facilmente. E, no fundo, acho que é bem verdade. Você pode achar que foi ciúme de irmã, que era a incompatibilidade de estilos, que era o fato de ter alguém mais bonito que eu no mesmo ambiente... mas a verdade é que foi o sorriso dela.

Alguma coisa ali estava errada.

Era um sorriso forçado, que dava lugar a uma expressão arrogante quando a outra pessoa saía de perto. Não gosto de gente assim.

Tratei ela com educação, mas a verdade é que eu queria tirar o Luís de perto dela o mais rápido possível e perguntar que diabos era aquilo. Ele sempre saiu com esse tipo patricete, mas as meninas costumavam ser genuinamente simpáticas e, no fundo, sempre descobríamos que elas tinham bom caráter. Meu irmão que era um pegador desalmado, mesmo.

Ao longo do churrasco - e da vida - descobrimos que a Roberta era uma víbora. Jogou o Lu contra a família toda, transformou-o em um cara estressado, fez com que ele gastasse rios de dinheiro com presentes fora de hora e jantares caros e, acima de tudo, me irritou muito. 

Ela tinha a mania de me diminuir e humilhar na frente dos outros. Eu nunca bati nela porque a situação familiar ficou muito delicada e o Lu era o  meu melhor amigo. Vontade, pode ter certeza que não faltou.

Foram seis anos nessa babaquice até o Carnaval dos Horrores, que é como eu e mamãe gostamos de nos referir à data.

O clã ia todo viajar para o interior. Lu chamou a Roberta, mas ela disse que a mãe estava muito doente e que ela ficaria por aqui. Estávamos todos aliviadíssimos, ela ficaria longe de nós e ele havia decidido ir conosco para tentar resgatar o tempo que havia passado longe e brigando por causa dela.

Na véspera da viagem, uma dessas reviravoltas do cosmos ocorreu. Acabamos indo para a Região dos Lagos porque um tio já estava na casa do interior. Lu decidiu que avisaria para ela - que já estava estranhamente incomunicável há dois dias - quando chegasse lá. 

Mal arrumamos as coisas nos quartos, o Lucas, amigo do Lu que tinha casa de praia ao lado da nossa, tocou a campainha. Abraços e piadas depois, ele nos convidou para um churrasco na casa do primo dele, naquela noite. 

Para encurtar a história, quem estava na festa era ninguém mais, ninguém menos, que a Roberta. Inclusive, o prazer inenarrável foi encontrá-la, vestida de Minnie Mouse, em poses nada comportadas com o primo do Lucas, no quarto. 

Eu fiz a pose mais triunfante possível, vesti o meu sorriso mais cafajeste e fiquei ali, parada, observando o Luís insultá-la de todos os nomes possíveis (creio que alguns, ele mesmo inventou) e o pavor do primo do Lucas (que eu nunca soube o nome), sem entender o que estava acontecendo.

Karma is a bitch.

Óbvio que, apesar de estarmos todos secretamente satisfeitos pela Roberta ter sido desmascarada, os dias que se seguiram foram horríveis. Meu irmão bebeu todas, saiu com tudo o que foi mulher de Cabo Frio, arranhou o carro do primo do Lucas e quebrou uma das janelas arremessando uma garrafa de cerveja. Meu irmão, tão controlado, aos frangalhos por causa de uma qualquer. Quando retornamos ao Rio, ele nos mostrou o motivo: uma aliança com um diamante do tamanho de um cubo de gelo (ok, estou exagerando, mas era grande, hein!). Respiramos mais aliviados ainda.

Para ele nunca se esquecer do que aquela ordinária fez, nunca mais a chamamos pelo nome. Só a chamamos por Minnie, agora. 

O início

O maldito despertador tocou e o sol do verão entrava sem piedade pela janela. Espreguicei-me da forma mais preguiçosa que podia e levantei de um pulo só. Terminei a acrobacia matinal arrastando-me como um zumbi até o banheiro.

Pelo barulho na cozinha, meu irmão já estava fazendo o café da manhã. Touché. Hoje, ele estava em melhores condições do que eu. 

Sem sequer olhar para o espelho, abri a torneira e mergulhei o rosto na pequena piscina de água fria que reservei em minhas mãos. A cabeça doía como nunca e eu estava com um perfume de tequila absurdo no corpo; lembrava de poucas coisas da noite anterior, mas sabia que valia cada Tylenol DC que eu engoliria hoje.

Ao me olhar no espelho, a realidade bateu: cabelos totalmente desarrumados, duros por causa do laquê passado antes da festa de ontem; olhos de panda devido ao rímel e ao lápis de olho preto (mega vagabundo comprado por um real); batom cereja deixando o lindo "efeito coringa". 

Pra deixar qualquer look de celebridade em reabilitação no chinelo.

Ah, nem me apresentei. Desculpe, o dia está sendo bem difícil. Pode me chamar de Alice Coelho. Carioca, 23 anos, desempregada. Moro com meu irmão Luís - já que nossos pais não nos aguentam mais - em um apartamento que ele herdou do nosso tio-avô. 

Decidi tomar um rápido banho para recuperar parte da minha dignidade. Lógico, Luís não veria nenhuma ali por mais arrumada que eu aparecesse na cozinha. Por que irmãos mais velhos são tão implicantes?

Quinze minutos depois, saí do quarto. Ele estava parado na porta, com uma expressão fingida de reprovação, estendendo uma xícara de café com leite e uma fatia de bolo de chocolate com cachaça, pequena relíquia que minha mãe encontrou em um mercado há alguns anos atrás e que nos viciou como se fosse uma pedra de crack. 

Não, nunca usamos crack. Mas ouvimos alguém entendido falar que basta experimentar uma vez para se viciar e isso descreve bem nossa relação com esse bolo. 

Peguei a comida e me joguei no sofá da sala. Não que evitemos comer à mesa, o problema é que ela está tão atafulhada de livros, bolsas, papéis, chicletes de validade duvidosa e até mesmo uma bermuda do Lu, que fica impraticável usá-la para as refeições.

Meu irmão sentou-se no braço do sofá e mostrou-me o celular. Minnie havia ligado umas 17 vezes.  

Ok, o nome dela não é de personagem da Disney. O nome verdadeiro é Roberta e ela é um porre. Contarei sobre ela a seguir.